quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Carta Pós Um (Quase) Suicídio (condensada)



Resolvi escrever sobre o assunto suicídio, que é, ou ao menos parece, um assunto espinhoso e cheio de tabus. No entanto, acho adequado, não só pelo fato de eu ter tentado recentemente, mas por que estamos no Setembro Amarelo , Mês Mundial de Prevenção ao Suicídio, um movimento mundial criado para promover a discussão do assunto, a conscientização da população, e a prevenção do mesmo. 

Ás vezes, as pessoas não entendem o que passa na cabeça de uma pessoa que tenta se matar. Muitas vezes, quem faz isso, é vítima de preconceito, taxada de fraca, de carente de "atenção", seja antes ou depois da tentativa. As vezes, antes de chegar as vias de fato, algumas pessoas tentam conversar com alguém, porém a incompreensão é como uma barreira que faz o suicida sentir-se ainda mais culpado, e, em muitos casos, tentativas de fazê-lo ver as coisas "em perspectiva" só aumentam seu sentimento de inadequação e desvalia. 

No meu caso, a verdade, é que esse pensamento me acompanha vida inteira, desde que me entendo por gente, ser humano consciente e pensante. Como se a ideação suicida fosse uma segunda natureza, uma parcela daquilo que define quem sou, da minha essência. E tem uma parte minha que luta contra "minha luta para arrancar esta essência", que me faz sentir que isso seria como me mutilar. 


Portanto, cerca de 2 meses atrás, tomei a decisão. Não total. Não era uma escolha total, era mais com uma roleta russa. Na verdade tive tanto medo, principalmente de ficar vivo em uma situação ainda pior e ainda por cima sequelado, por quem sabe ter sido salvo, mas ter ingerido remédios demais, que deixei duas caixas do medicamento intocadas. Tinha certos objetivos, com meu ato. O trecho abaixo foi retirado de meu diário, alguns dias após minha tentativa: 

“Quando tomei os comprimidos, minhas intenções eram: 

1. Ser salvo (vivo ou morto) ; 

2. Ser livre (vivo ou morto); 

3. Acabar com a dor (ou melhor, as dores, pois são muitas); 

4. Acabar com os arrependimentos, as máscaras; 

5. Exterminar as vozes que me dizem o que não fazer e, o que de ruim vai acontecer, se eu fizer; Que muitas vezes me paralisam, mesmo que o GuiB. saudável saiba que é quase tudo mentiras, medos (muito sem fundamento) ou então apenas vagas possibilidades; 

6. Eu queria também esquecer. Acabar com a falta, a saudade, com a sensação de ter o coração arrancado sem praticamente nenhum aviso. 

7. O remédio que usei na minha tentativa causa esquecimento, creio que por isso o escolhi. Eu tenho tido muitos possíveis esquecimentos. Mas como sou paranoico, não confio em quase ninguém, fica difícil definir o que é esquecimento mesmo. Chegou ao nível do desespero onde tudo o que eu queria era esquecer tudo e todos e sentir paz, não desconfiança e descrença dos que me cercam. Ir para um lugar onde poderia confiar em todos ou apenas a dor vai parar. As dores. E vou poder esquecer o que quiser, que alguém vai me mostrar, daquilo que eu esqueci, apenas o que ajuda e importa, e eu vou acreditar. Onde não vão me ludibriar.” 

Lendo isso, vi que existe sim esperança. Não preciso morrer, mesmo que as vezes meu cérebro tente dizer o contrário. Aquilo que objetivava alcançar me matando, alcancei, ao menos parcialmente, com a tão estigmatizada, Eletroconvulsoterapia. 

Não estou salvo, nem sou livre, mas desde que fiz o ECT, a dor, as dores, diminuíram consideravelmente. 

Estou lidando melhor com os arrependimentos. Ainda os sinto, mas procuro usá-los para me ensinar. Para não repeti-los com um possível novo amor no futuro, ou seja lá com quem for. 

As vozes, ainda estão presentes, mas agora consigo discernir melhor a hora de dar atenção a elas ou não. 

Os medos, estou enfrentando, mesmo que lentamente, mas estou. Coisas como ir na padaria e conversar meia dúzia de palavras com a atendente, sorrindo e sendo simpático, não estão mais fáceis, mas eu estou mais forte e lutando contra a fobia social. 

Quanto ao coração arrancado, o jeito é me virar como posso sem ele e esperar a ferida cicatrizar. Mas a cicatriz estará sempre lá. E é bom, não quero mesmo esquecê-lo. Cheguei a essa conclusão. Deixa-lo ir, é uma coisa, mas fingir que nada aconteceu, é impossível para mim. Não há ECT que apague um amor como o que vivemos o Príncipe e eu. 

Mas a Eletroconvulsoterapia ajuda a esquecer, em outros casos. Esqueci de muitas coisas, exatamente como disse no fim do textinho que desejava que acontecesse com meu suicidio. Mas elas ainda estão no meu cérebro, isso eu já descobri. Às vezes, quando me falam de algo que não lembro, acabo lembrando do resto da história. Mas no geral, sozinho, lembro apenas do que realmente importa. Meu pensamentos estão muito mais construtivos e criativos. 



Quero dizer, com essa postagem, que existe esperança de felicidade para um suicida. E não, não precisa ser morto. Se, alguém que não tentou se matar, me dissesse isso, eu diria que é balela, menosprezaria, afinal, pensaria eu: “a verdade é que essa pessoa não entende nada, não sabe pelo que estou passando”. Mas eu tentei, e fico feliz de dizer que não deu certo. Outras coisas no entanto deram, como o ECT e o ajuste de medicamentos. E tenho que repetir: Existe esperança de felicidade para um suicida, e esta não é a morte. 



Como bom paranoico, fico na dúvida se, na realidade, não foi feita uma espécie de lavagem cerebral, e virei uma espécie de robozinho, devidamente programado para não dar trabalho e causar problemas. Contudo, quando analiso quem e como sou e estou, nesse ainda curto período, desde que fiz o tratamento e saí da internação, creio que não. Também percebi que não quero "ter a chance de ser feliz como alguém normal", como disse no texto. Quero ter a chance de ser feliz como alguém especial, único e singular, que faz coisas incríveis e excepcionais. Espero, ter luz o suficiente em mim, para iluminar as sombras que me rodeiam e também as que possuo dentro de mim, e dessa forma conseguir produzir obras, sejam pinturas em tela, desenhos ou escritos, que de alguma maneira estimulem reflexões, espalhem luz, e, em alguns casos, beleza onde forem vistas ou lidas. E é isso o mais espantoso de tudo: Agora, tenho expectativas para o futuro. E não são simplesmente morrer. Pois acredito que estou aqui por algum motivo. E tenho muito a fazer aqui ainda.

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