segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

A Mulher Que Há Em Mim - Relato De Uma Transgênero Em Descoberta

    Olá gente. Hoje estou aqui para falar de mais uma faceta de quem sou, que, atualmente (e em muitos outros momentos da minha vida), ocupa um espaço gigante na minha cabeça: O meu gênero.

    Recentemente me assumi como transgênero não-binário e muitas pessoas ou simplesmente não aceitaram a ideia (como se isso coubesse a elas!) ou não entenderam o que eu estava dizendo. NORMAL, até relativamente pouco tempo, nem eu e nem uma grande parcela da sociedade estava disposta a pensar ou aceitar que gênero NÃO É sempre algo absoluto ou definido pelas características físicas com as quais nascemos. Mas vejam bem, NORMAL não quer dizer correto, pois quem tem que aceitar-se é a própria pessoa, cabendo aos outros respeitar aquilo que cada um é dentro de sua individualidade como ser humano. Portanto, mais do que na hora de eu, pelo menos, pensar sobre isso e de todo mundo parar de querer dar pitaco naquilo que os outros são.

    Mas, como muitas pessoas próximas que gostam de mim se interessaram por entender do que eu estava falando e pareceram meio confusas, resolvi dar mais uma pesquisada e explicar um pouco daquilo que aprendi sobre a trangeneridade e sobre mim mesma. Pois acho que eu, apesar de uma transgênero não-binária, prefiro ser chamada por pronomes femininos, não masculinos. Mas, também como alguém que se identifica atualmente como não-binária, não renego os pronomes masculinos e deixo, pelo menos por enquanto, a cargo dos outros a decisão de qual pronome usar, até por que, vivo com meus pais, e o meu pai especialmente está sendo difícil (ele, mas creio que também PARA ele) como sempre, e estou gradualmente efetuando as mudanças na minha vida que estão trazendo minha felicidade. Também tem o fato que eu mesma costumo referir a mim mesma com o pronome masculino na maior parte das vezes. Passei 36 anos, devido a diversos fatores, reprimindo meu gênero e as coisas até para mim mesma às vezes demoram a se adaptar. Mas confesso que quando usam o pronome feminino para me designar, apesar de minha aparência não ser necessariamente ou exclusivamente feminina, sinto um prazer secreto e especial. Bom, agora, deixou pelo menos de ser secreto.

    Quando digo que "passei 36 anos", é por que sempre me identifiquei muito mais com o gênero feminino, apesar de me portar como rapaz. O que sabia até então é que era gay e achava que isso fosse comum, mesmo quando descobri que não é necessariamente uma regra e que ser homossexual é uma definição de sexualidade, não influindo, necessariamente, na definição de gênero. Sempre tive mais amigas do que amigos. Apesar de que amigos íntimos tenho poucos, por motivos que pretendo explanar em postagens posteriores. Na verdade diria que sempre transitei e me relacionei mais e melhor com mulheres, não com homens, fossem eles héteros ou gays. Minha identificação com o sexo masculino sempre foi muito mais limitada do que a com a garotas em geral. Quando era criança, me lembro de observar e admirar, desejoso de poder experimentar também, diversos atributos que por muito tempo, ou dependendo da época, são considerados mais tipicamente femininos, como cabelos compridos, maquiagem , adereços como joias ou bijuterias e determinadas roupas. Quando muito pequeno o desejo de experimentar transbordava e me lembro de utilizar camisetas compridas com cintos na cintura dividindo-as, de forma a tentar configurar algum tipo de saia ou vestido curto, apesar de sempre evitar estar perto do meu pai nesses momentos, pois ele já havia me censurado por esse comportamento, ainda que hoje em dia ele diga não lembrar-se disso e que nunca dei nenhum aviso de ser transgênero ou ter essa fascinação e identificação pelo mundo feminino. Permitam-me rir aqui, pois eu me lembro de meu pai rasgando meus desenhos quando eu comecei a desenhar aos 2 anos e lá pelos 3 ou 4 anos tentava retratar princesas de vestidos FABULOSOS e príncipes ENCANTADOS que as salvariam de suas atribulações. Eu também, como ele mesmo conta, "não desenhava como menino e tinha algo de MUITO ERRADO na forma como eu desenhava" as casinhas detalhadas com janelinhas com cortininhas cor-de-rosa e vasos com minúsculas florezinhas coloridas e céus com nuvens fofas e sol com carinhas felizes, ao invés de desenhar carrinhos, naves e soldadinhos ou guerreiros como meus irmãos faziam. Eu até desenhei guerreiros, na verdade, quando mais velho, mas na verdade era normalmente um guerreiro encarregado de proteger um lindo, porém delicado e frágil, "príncipe", já que eu não podia ser princesa na minha imaginação, como já então era nas minhas mais secretas (ou não) fantasias internas. Assim fui crescendo e me reprimindo cada vez mais na questão de gênero, enquanto tentava a todo custo me encaixar na figura masculina que deveria, mas sempre falhando miseravelmente apesar de na maior parte do tempo me vestir com roupas de rapaz e algumas vezes de menino.

    Na adolescência, me assumi primeiramente como bissexual para meus parentes, e tenho que rir aqui pois, na verdade, minha única namorada de verdade foi quando tive 9 anos e apesar de nos beijarmos no sofá da casa dela, meu momento preferido, não por culpa dela, que era linda e uma querida, (lembremos que ambos eramos crianças) era quando íamos brincar com suas Barbies e apesar de ela querer que eu fosse o Ken, minha "namorada" generosamente me emprestava a Barbie noiva, ou a Barbie grávida (lembram, a que tinha um bebê na barriga postiça que podia ser retirado de lá) para que eu pudesse me sentir mais feliz na brincadeira. Isso durou um ano e lembro-me que a mãe e a vó dela me adoravam, e todos os dias me davam um lanche sempre muito aguardado e que nunca implicava em nenhuma cobrança, pessoas generosas que eram, permitindo-me viver coisas que talvez eu não pudesse viver em nenhum outro lugar além daquele. E a verdade é que na época de minha adolescência eu me assumia para mim mesmo e para minhas amigas como gay, não como bissexual, tendo sido isso apenas um subterfúgio por medo da reação de meus pais, principalmente da de meu pai. Até fiquei com algumas meninas, no início de minha adolescência, mas, na verdade, ainda que eu admirasse suas belezas físicas ou apreciasse suas companhias, quando não estávamos tendo que nos beijar, foi por uma parcela muito pequena de experimentação e na maior parte por ter cedido às pressões sociais, infelizmente, para mim e para elas, pois inevitavelmente, se havia algum tipo de sentimento mais sério por parte delas, ambos sofríamos. Mas também não foram muitas e na maior parte das vezes eu procurava, dentro do possível para um adolescente na minha situação, preservá-las de sofrimentos maiores.

    Então, quando "me assumi bissexual" houve uma grande rejeição de meu pai que, desde que eu era muito novo, mantinha enorme afastamento sentimental de mim e com quem eu tinha muitos conflitos por conta disso há um longo período. Ele, na maioria do tempo, esteve presente apenas como o provedor da casa em relação a mim e realmente me forneceu o necessário para minha sobrevivência e às vezes um ou outro supérfluo ou presente. Era certa sua quase total ausência na área afetiva e suas posturas e atitudes extremamente brutas e ignorantes, quando era chamado a esse papel. Ele estava presente fisicamente, algumas vezes, porém mais como uma figura de julgamento e condenação, não como um pai de verdade. Eu tinha apenas um 3 em 1, um banco, com todas as posturas unilaterais e "desinteressadas" (Faça-me rir) de um banco, uma espécie de "rígida" polícia da "moral e bom costumes" e por fim um juiz parcial, preconceituoso e quase sempre intransigente. Só que isso tudo cobrou de mim um preço muito alto na construção da minha inteligência emocional e de muitos outros setores da minha vida. Eu FIZ terapia desde os 6 anos de idade, mas não tem 1 ou 2 horas de terapia por semana que substituam a presença AMOROSA E AFETIVA de um pai na formação de uma criança ou adolescente. Hoje entendo um pouco de suas limitações, MAS isso não muda a realidade que vivi também e que, assim como a DELE, o levou a agir da forma que agiu comigo, levando-me a enfrentar inúmeras coisas que talvez não tivesse que ter enfrentado de outra forma.

    E esses foram alguns dos motivos que me fizeram levar 36 longos anos para sair da prisão de medo, repressão e preconceitos imputados a mim e assumir minha transgeneridade. E como podem ver ainda uso o gênero masculino para referir-me a mim mesmo, principalmente quando estou lidando com meu passado, pois querendo ou não durante muitos anos assumi o papel de um menino. Não de um homem, vejam bem, mas de um menino, um menino forte, possuidor de beleza, sensibilidade, mas também justamente por isso, de muitas falhas e fragilidades que o levaram a errar e cair algumas vezes no caminho. Que se recusava a crescer, pois se crescesse e se tornasse um homem, estaria se mutilando, amputando de si talvez a parte mais bonita que possuia e de onde se originava e ainda origina a maior parte da força para ter conseguido sobrevir por esses 36 anos: A mulher que há em mim. 

    O menino no momento ainda existe e passou por muita coisa, porém no momento, quem está desabrochando, como uma flor às vezes consegue surgir em meio à adversidade e dar sua beleza para o mundo em um momento tão difícil, mas também tão lindo, como está sendo esse na minha vida, é essa mulher tão bela e resiliente, como algumas vezes certas flores de rara força o são.

    E é essa mulher que eu hoje celebro, e esse menino também, que foi tão necessário na minha jornada e que me mantiveram vivo até agora, tendo conseguido transpor todos obstáculos e dificuldades que acabei encontrando nesse mundo muitas vezes tão árido e sem cor em que vivemos.

        Porém agora cansei de escrever e creio já ter escrito o suficiente para uma postagem, por isso fico por aqui, me despedindo e avisando que pretendo voltar ao assunto numa próxima postagem para tentar explicar um pouco sobre minhas descobertas relativas a classificação de transgênero, não-binário, se é que não-binário é a classificação correta definitiva, pois estou em processo de descobertas e não estou fechando questão sobre assuntos referentes a gênero, exceto na parte da trangeneridade. Essa é uma certeza, que só tive a coragem e compreensão para aceitar agora, mas que Graças à Deusa, a Deus e a minha força, estou aqui para aceitar e lutar por ela. Por quem sou na minha essência mais profunda, forte, bela e resiliente. Beijos aos que lerem.

Nenhum comentário: