domingo, 11 de setembro de 2022

Eu, Autista.

Gente, eu nunca falei disso aqui, mas acho que, além de ter Transtorno Esquizoafetivo, estou no Espectro Autista.

Comecei a me inteirar sobre esse assunto em 2020, após conhecer alguns perfis de autistas no Instagram e me identificar com muitas das coisas que são relatadas neles e, também, num documentário que assisti chamado "Stimados Autistas", que tem no YouTube. Depois disso assisti e li muito mais conteúdo sobre isso até agora e cada vez mais me convenço que sou uma autista ainda não diagnoticada.

A verdade é que se eu estiver certa, seja lá por que motivo for, minha psicóloga não me diagnosticou na infância, mas eu tive algum tipo de suporte, já que comecei a fazer terapia com ela aos 5 ou 6 anos de idade, parei lá pelos 12 e depois voltei a fazer dos 14 aos 17 mais ou menos. Durante meu tratamento na adolescência foi levantada por ela a hipótese de depressão e de TDAH.  Ela recomendou que consultasse um psiquiatra, mas na época isso não foi feito, seja por economia ou ignorância de meus pais, e, mesmo eu tendo iniciado um tratamento com medicamentos, não houve consulta minha ao psiquiatra. Comecei a tomar os mesmo medicamentos que minha mãe, na época, um antidepressivo e outro para TDAH. É óbvio que isso não era o correto a ser feito mas na época eu não tinha muita noção de como era o protocolo para esses casos, portanto apenas usei os remédios. Nessa época eu havia voltado a consultar pois estava sofrendo de transtorno alimentar (eu não estava me alimentando). Acabei melhorando e a terapia com a psicóloga foi interrompida novamente. Também estava tendo sérias dificuldades com meu pai por eu ser LGBT o que contribuiu para interrupção do tratamento, ainda que eu tenha continuado a tomar os medicamentos. 

Portanto acabei tendo suporte para certas dificuldades que acompanham quem está no Espectro Autista, ainda que não tivesse sido diagnosticada. Vale dizer que nessa época a visão do autismo era extremamente estereotipada e havia muito pouca informação acerca do assunto na mídia, entre pessoas leigas e até mesmo no próprio meio médico. 

Hoje estava vendo sobre o "tripé" para o diagnóstico de autismo, que é apresentar essas 3 características desde a infância:
dificuldades de interação social, problemas de comunicação social e comportamentos repetitivos e restritos.

Além desses tem muitas outros comportamentos, fatores e sintomas que fazem parte do Espectro, alguns com os quais me identifico e outros não, já que o Espectro Autista é amplo e hoje se sabe que nem tudo são estereótipos e que cada autista é diferente, não são todos iguais como acham algumas pessoas.

No meu caso, até mais ou menos os 8 ou 9 anos, todos os dias acordava muito cedo, mais ou menos 6 horas da manhã e ia acordar minha mãe. Ela conta que eu abria os olhos dela com os dedos enquanto perguntava: "Mãe, mãe, tu tá acordada?"  Ao que ela respondi meio dormindo: "Agora tô." E eu pedia para ela preparar como ela conta, meu mamá e, como lembro com perfeição, para colocar no vídeocassete um filme para eu assistir até a hora de os desenhos começarem na Globo. 

Normalmente ela ia dormir mais um pouco e eu ficava vendo TV. O filme foi, durante anos, repetidamente o mesmo: De Volta para o Futuro. Ou seja, minhas manhãs pareciam um looping temporal. O filme tinha sido gravado da TV, assim como outros filmes que eu amava assistir, mas esses em outros horários, como E.T. - O Extraterrestre e Em Busca do Vale Encantado.

E esses rituais diários, essas rotinas, extremamente repetitivas, continuaram depois de adulta. Claro que hoje são outros, mas é impressionante, as vezes tenho impressão que meus dias são iguais, de tão repetitivos que são algum comportamentos que tenho. Quase tive diagnóstico de Transtorno Obssessivo Compulsivo, mas é um pouco diferente.  Pois se não me engano as pessoas com TOC quando não conseguem executar seus rituais acham que algo terrível vai acontecer e no meu caso sei que não vai acontecer algo terrível, mas mesmo assim me sinto quase obrigada a fazer daquela forma se quero me sentir mais tranquila e estável. Apesar de algumas vezes me sentir meio engessada. Tem também minha alimentação, que é muito engraçada.  Passo meses me alimentando basicamente dos mesmos alimentos repetidamente.  É como se o mundo estivesse num período de escassez e só houvesse aqueles alimentos no mundo para compor minha lista de supermercado e meu cardápio. Acredito ter um pouco de rigidez cognitiva envolvida nisso, mas tem vezes que consigo quebrar isso.

Mudando de assunto, mas ainda falando sobre sintomas do autismo,  faz anos que me sinto mal quando vou ao supermercado. Assim como ao Shopping ou a lugares com muita aglomeração. Acabei deixando de ir ao supermercado certa época, tamanho o mal estar que sinto. Nessa época tive  diagnóstico de Fobia Social e tomava ansiolítico. Mas eu não sabia nem explicar o que sentia e nem deixar de sentir.  Até que descobri o mundo dos fones de ouvido. Os ruídos e sons altos ou repetitivos sempre me incomodaram muito. O que é diferente de música, que sempre amei tanto ouvir, quanto cantar. Mas todo resto que não se encaixa nessa categoria, se for muito alto ou repetitivo por um tempo longo, me perturba e irrita ao ponto de me deixar quase descontrolada. E na rua e nos locais de aglomeração o som me perturba ao ponto de me deixar zonza, irritada e, muitas vezes,  com dor de cabeça. Por isso para mim, já faz alguns anos, fones de ouvido são uma necessidade. As vezes só para ficar com eles diminuindo o barulho, mesmo que a musica esteja desligada. Não resolve totalmente, mas ajuda. 

Quando adolescente saí à noite algumas vezes para festas em danceteria, pubs ou bares, e nessa época eu lembro que me sentia bem e mal ao mesmo tempo. Já aconteceu de eu dormir sentada em algumas festas e em outras eu ler um livro em algum canto. Para eu conseguir curtir mesmo a festa,  me soltar e ficar tranquila em relação a multidão, barulho, interações sociais, percebi que tinha que estar sob efeito de alguma coisa, tipo álcool ou Maryjane. Isso foi bem antes de 2007, ano em que passei por uma crise e desde quando me tornei abstêmia de qualquer droga de abuso, incluindo álcool. Só o cigarro que larguei um pouco depois, em 2011 se não me engano. 

Mas enfim, até 2020 eu nunca tinha ouvido falar em Transtorno Sensorial. Quando ouvi, percebi que parecia se encaixar com o que eu sentia, apesar de eu entrar em crise poucas vezes.  Mas as vezes acontece de, assim como nas danceterias eu "dormia", eu ir num cinema assistir aqueles filmes que o som é muito pesado, tipo Star Wars, e após um tempo naquele barulhão, praticamente desmaiar na poltrona. O que me lembra da minha infância.
Nas festas e eventos eu tinha crises de irritação onde sapateava e fazia um som horrível esganiçado, enquanto, por ter medo do meu pai,  tentava conter o grito que queria sair da minha garganta ao mesmo tempo que procurava extravasar o acúmulo de sentimentos decorrentes do bullying que sofria por parte das outras crianças e dos excessos de estímulos sensoriais presentes nas festa ou evento. Normalmente os eventos acabavam com eu exaurida, muitas vezes "dormindo" em algumas cadeiras unidas, quando ocorriam em restaurantes, outras vezes dormindo onde pudesse, em algum lugar como sofá ou poltrona,  quando era casa de algum conhecido. Era como se tivessem me tirado a pilha. O ponto é que o transtorno sensorial, além do bullying me geravam crises e exaustão, mental e emocional,  ainda que eu não soubesse perceber claramente ou explicar a parte sensorial para os outros, por ser criança e não entender direito o que se passava comigo. 

Falando novamente sobre interações sociais, quando estava no maternal não tinha amigos. No Jardim A, única vez que estudei em escola particular, a professora pediu para conversar com meus pais. Falou em possibilidade de superdotação, pois meus trabalhos, minha criatividade e principalmente meus desenhos (pelo menos na época) estavam muito avançados para a minha idade. Mas também disse que eu tinha dificuldades de socialização, que eu pouco interagia com as outras crianças, ficando a maior parte do tempo desenhando e que, apesar da possibilidade de superdotação, eu tinha um pouco de dificuldade com atividades dirigidas, preferindo na maior parte das vezes o desenho livre ou outras atividades onde podia fazer as coisas de forma mais livre. Por esses últimos motivos, com ênfase na socialização, ela recomendou a meus pais que eu ficasse no Jardim A mais um ano. Sim, ela queria me rodar no Jardim A, KKKKKKKKK. Mas falando sério, eu me lembro com carinho dessa professora e acredito que ela queria me dar mais tempo para que eu estivesse mais preparada no momento em que o ensino se torna um sistema um pouco mais rígido, como por exemplo a partir da primeira série. Ela também sugeriu fortemente que meus pais procurassem uma escola "especial" para crianças com superdotação. Meus pais me relataram que na época não tinham dinheiro para manter algo assim. E preferiram que eu não fizesse o Jardim A mais uma vez. Também me tiraram da escola onde estudava, após o período letivo terminar, pois estavam sem dinheiro para continuar a pagar colégio particular e nós havíamos nos mudado de bairro antes ainda do fim do ano.

No Jardim B, agora em um colégio público, tentava as vezes interagir com outras crianças,  mas sofria bullying e tinha dificuldades com a comunicação.  Comecei a falar com 2 anos e meio, o que acho que não configura atraso da fala, mas aprendi a falar até bem. Minha dificuldade não era para falar, mas o quê falar, quando falar, sim, eu sei que era criança, mas as vezes era como se eu e as outras crianças falássemos línguas diferentes e eu ainda tinha poucas chances de aprender a linguagem delas por elas me excluírem a maior parte do tempo. Na primeira série me lembro de mim mesma totalmente sozinha, sem um único amigo, passando os recreios sozinha, e foi quando descobri um lugar chamado biblioteca e começou minha paixão por ler.  Escrever já era outra história. Até hoje minha mãe lembra de quando minha professora, que estava a um ano de ser aposentar, chamou ela para dizer que eu não só desde o início do ano me recusava a fazer as anotações da matéria que ela passava no caderno, como, após um dia ela ter me obrigado a copiar, eu havia subido na classe e rasgado o caderno em dois.  E o pior é que, segundo conta minha mãe, eu havia sido aplaudida pelos outros colegas. O fato é que mesmo assim continuei sem amigos e ainda a professora, não só pelas minhas lembranças,  mas pelo que minha mãe diz ter ouvido sobre ela, era uma pessoa rígida, intransigente e muito pouco pedagógica. O que me salvava era que naquela época, mesmo sem copiar, tirava 10 em quase tudo, principalmente nos Ditados. O que dificultava a professora no seu argumento de que eu TINHA que copiar a matéria e não ficar desenhando enquanto ela dava aula. O fato é que não sei se deveria ou não copiar, mas eu conseguia, sim, naquela época, aprender e guardar o conteúdo, apenas ouvindo e lendo o que ela escrevia no quadro enquanto eu desenhava, e o método dela de tentar me intimidar, apesar de me deixar apavorada, com medo dela, não causava o efeito de me fazer copiar a matéria, pois naquela época, mesmo sabendo ler maravilhosamente bem e tendo uma escrita ótima, eu achava insuportável copiar o que os professores escreviam no quadro. E isso durou praticamente todo meu ensino fundamental e ensino médio. 

Na segunda série, nos mudamos de novo, e acabei trocando de colégio novamente. Dessa vez a professora era legal e me sentia acolhido por ela. Ia bem nas avaliações, mesmo sem copiar matéria e ela respeitava minha dificuldade, pois como disse um dia para minha mãe: "Como é que eu vou obrigar ele a copiar se ele tira 10 nas avaliações e faz os exercícios de forma satisfatória."

Também, ainda quando era criança, eu fazia um curso de gratuito em um Centro de Línguas no qual meus pais haviam conseguido vaga para mim, tive problemas com outra professora por conta da minha dificuldade em copiar. Era professora de inglês e não aceitava que eu não copiasse a matéria e ainda assim fosse bem nos exercícios e avaliações. Por isso implicava comigo, me obrigando a repetir a pronúncia das palavras de forma repetitiva, mesmo quando já estava claro que estava correta, ainda mais para uma criança e sem fazer o mesmo com os outros alunos. Também tentava me humilhar na frente da outras crianças quando fazia as tentativas de me obrigar a copiar. Mas o fato é que eu ia bem nas provas, trabalhos e testes e mesmo tendo tirado 10 na avaliação semestral, ela tentou me repetir de semestre. Minha tia teve que ir lá enfrentar a megera, depois de eu ter chegado chorando na casa dos meus avós e explicado tudo.  Após isso ter acontecido consegui ir para o próximo semestre, mas... Adivinhem quem era a professora? A mesma! E foi assim que eu desisti do curso de inglês, mesmo amando essa língua, e fui execrada pelo meu pai, que tentou me obrigar a continuar, sem ter movido um dedo para tentar me colocar com outra professora, pelo simples motivo de que ele não dava a mínima para o meu motivo para querer desistir. E após muita briga, medo, e a intervenção da minha mãe, consegui sair do curso,  mas como fui contra a vontade do meu pai ele deixou claro que "a oportunidade ele tinha dado, se eu desisti o problema era meu e ele nunca mais me daria essa oportunidade de novo." E ele cumpriu o que disse.

E no fim, durante a escola, até a quinta série, eu vivia na biblioteca e não tinha amigos.  Contei em outras postagens sobre a namoradinha que tive aos 9 anos, que na verdade era mais como uma amiga para eu brincar com as Barbies dela. E tinha dificuldades de interação com a maioria dos meus colegas, pois os poucos amigos que fazia, eu não conseguia interagir de forma satisfatória. Era como se eu não entendesse direito o que era esperado de mim nas amizades. E isso dificultava muito a manutenção de qualquer amizade.  Ainda complicava que desde a segunda série eu sentia coisas estranhas e difíceis de explicar por meninos.  Lembro que nessa época tinha um colega, que era muito bonito e popular e que eu sentia algo romântico por ele.  Achava ele lindo e queria ficar perto dele,  mas eu, que já sofria bullying, não tinha a mínima chance. Quando tentei me aproximar dele, fui rechaçada em definitivo, mesmo não tendo, pelo menos acredito que não, transparecido para ele que eu tinha sentimentos românticos por ele.  E na quarta série,  lembro que convidei um menino, colega de aula,  para ir na minha casa.  Eu gostava dele e me declarei e ele, além de pedir emprestado um brinquedo meu e nunca mais devolver, contou para todo mundo no colégio o que tinha acontecido, o que fez o bullying piorar mais ainda e meu isolamento também.  Fui ter uma amiga íntima que pareceu me entender só na quinta série.  E somos amigos ainda. Mesmo com afastamentos ocasionais, somos amigos até hoje. 

E a maioria das outras amizades acabaram sendo sempre curtas e passageiras, pois tenho dificuldades as vezes até para conseguir me comunicar por aplicativos de mensagens.  Mas na maior parte das vezes me acho péssima e acho dificílimo manter uma conversa por escrita e mensagem de voz.  As vezes consigo, mas é raro, e muitas vezes me sinto péssima, as vezes durante a conversa,  outras vezes depois. Na adolescência participei durante cinco anos de oficina de teatro, e apesar de ser péssima nas atividades de improvisar como muitas vezes era necessário, fizemos algumas peças e eu ganhei mais desenvoltura para falar e eu diria que habilidade em fazer Masking, o que me ajudava na interação social, pois consegui aprender a imitar melhor os comportamentos neurotípicos das pessoas ao redor para tentar ser mais incluída em alguns grupos, pelo menos. Mas por mais Masking que se faça, a maior parte das amizades tem prazo de validade, pois acabo me afastando ou a pessoa se afasta, pois tenho dificuldades de agir como as pessoas esperam nas amizades, até por que isso não é algo que eu tenha aprendido naturalmente na infância. Eu sempre fui solitária. Minhas amigas eram minha mãe e a psicóloga. E de amigo eu tinha meu irmão mais novo. 

No fim acaba que sou uma pessoa que tem o circulo social muito restrito e que passa a maior parte do tempo sozinha em casa.  E não tenho relacionamentos afetivos com ninguém desde de 2013, quando faleceu de câncer meu último namorado. E até hoje só tive três namoros mais longos.  Um com um homem de cerca de 27 anos,  quando eu tinha 15, o que hoje eu sei ser algo bem problemático, apesar de eu ter amado muito ele. Outro que iniciou nos meus 20 anos, que durou se não me engano até 2009, mas foi um relacionamento definitivamente abusivo, com direito a ele apontar uma arma na minha cara por eu ter contado certas coisas para ele. E, por último, o meu falecido "amigo" de quem falei muito nesse blog, que partiu aos 40 anos de idade e foi um relacionamento que acrescentou muito na minha vida. Outros relacionamentos foram fugazes, então prefiro não mencionar,  por não serem pertinentes no momento. 

Mas voltando ao assunto principal do Post, as vezes também tenho hiperfoco em certas coisas, comportamento que vem desde a minha infância. E tenho algo, que um dia tentei explicar aqui, e não consegui direito (que chamei muito erroneamente de "Preguiça Patológica", devido a culpa que sentia e que me imputavam meus pais), que agora sei ser parte da minha Disfunção Executiva. A disfunção executiva é uma das piores partes, pois quando ela está muito exacerbada me vejo com dificuldade até nas rotinas mais básicas, mas atualmente, com a configuração medicamentosa que estou, ela está um pouco mais controlada. 

Mas enfim, esses são alguns dos motivos pelos quais acredito ser autista.  Tem outras características que poderia citar, mas a postagem já está enorme e eu estou cansada de escrever, por isso fico por aqui. 

Só finalizo dizendo que estou tentando conseguir fazer uma avaliação neuropsicológica desde 2020, mas não tenho como pagar e estou tentando pelo SUS, mas meu psiquiatra do SUS me disse que essas avaliações não são feitas pelo SUS, só em casos muito específicos. Então não sei o que fazer. Pois acho que seria importante tirar isso a limpo, mas meu pai disse que eu não sou autista e não deixa nem eu falar no assunto. Ele se recusa a aceitar que eu possa ser autista. Portanto, por enquanto, fica apenas aquilo em que acredito. E por hoje é isso.  Desculpem um texto tão longo (e mesmo assim faltou coisa), mas deixo um beijos aos que lerem. 

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